Telescópio fará imagens 50% mais detalhadas de buracos negros a partir da Terra

Com resolução comparável à observação de uma moeda na Lua a partir da Terra, telescópio poderá mapear buracos negros ainda desconhecidos

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Antenas do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma), voltadas para a região Sul da nossa galáxia, a Via Láctea, localizadas a uma altitude de 5.000 metros no planalto Chajnantor, no deserto de Atacama (Chile), uma das instalações que fizeram parte do estudo – Foto: Babak Tafreshi/Divulgação/Observatório Europeu do Sul (ESO)

Redação*
Arte: Joyce Tenório**

JORNAL DA USP — Cientistas da colaboração Event Horizon Telescope (EHT) realizaram observações astronômicas experimentais que alcançaram a mais alta resolução de imagem já obtida na superfície da Terra, ao detectar a radiação vinda de centros de galáxias distantes. As imagens foram obtidas por um telescópio formado por uma rede global de observatórios conectados por antenas de rádio, com apoio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma) e outras instalações de pesquisa. Os membros da colaboração, que incluem pesquisadores da USP, estimam que será possível fazer imagens de buracos negros com resolução 50% mais detalhada, comparável a observação de uma moeda na Lua a partir da Terra, focalizando com maior nitidez os seus arredores, além de mapear buracos negros ainda desconhecidos. As novas detecções são relatadas em artigo da publicação científica no The Astronomical Journal.

Em 2019, a Colaboração EHT divulgou imagens de M87*, o buraco negro supermassivo situado no centro da galáxia M87, e em 2022, de Sgr A*, o buraco negro que se encontra no coração da nossa galáxia, a Via Láctea, em 2022. Todas as imagens foram obtidas através da ligação de vários observatórios rádio em todo o planeta, utilizando uma técnica chamada interferometria de linha de base muito longa (VLBI), para criar um único telescópio virtual do “tamanho da Terra”.

Para obter imagens de maior resolução, os astrônomos recorrem, normalmente, a telescópios maiores ou a uma maior separação entre os observatórios que fazem parte da rede. No entanto, como o campo de visão do EHT já é do tamanho do planeta, foi necessário utilizar uma abordagem diferente para aumentar a resolução das observações, e os cientistas do EHT aumentaram a resolução do telescópio observando a radiação emitida pelos objetos astronômicos num comprimento de onda mais curto.

“Com o EHT, obtivemos as primeiras imagens de buracos negros a partir de observações levadas a cabo no comprimento de onda de 1,3 mm, porém, o anel brilhante que vimos, formado pela curvatura da luz devido à gravidade do buraco negro, ainda estava desfocado porque nos encontrávamos no limite absoluto da nitidez das imagens”, explica o pesquisador Alexander Raymond, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, em Pasadena (Estados Unidos), um dos autores do artigo. “Com o comprimento de onda 0,87 mm, usado no estudo, nossas imagens serão mais nítidas e detalhadas, o que, por sua vez, provavelmente revelará novas propriedades desses objetos, que foram previstas ou não”.

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Simulação em computador que ilustra o aspeto de um buraco negro em diferentes comprimentos de onda, realçando o maior detalhe que pode ser visto quando é observado a partir de comprimentos de onda mais curtos – Imagem: Christian M. Fromm, Julius-Maximilian University, Würzburg (Alemanha)/Divulgação/Observatório Europeu do Sul (ESO)

Para mostrar que conseguia fazer detecções a 0,87 mm, a Colaboração EHT realizou observações de teste de galáxias distantes e brilhantes neste comprimento de onda. Em vez de utilizarem o conjunto completo do EHT, os investigadores empregaram dois subconjuntos menores, ambos incluindo o Alma e o Atacama Pathfinder EXperiment (Apex), situados no deserto do Atacama, no Chile. O Observatório Europeu do Sul (ESO) é parceiro do Alma e é co-anfitrião e co-opera o APEX. Outras infraestruturas usadas nas observações incluem o telescópio Iram de 30 metros na Espanha, o Northern Extended Millimeter Array (Noema), na França, o Telescópio da Gronelândia e o Submillimeter Array no Havai (Estados Unidos).

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“Ver uma moeda na Lua a partir da Terra”

Nesta experiência piloto, a Colaboração EHT conseguiu obter observações com uma resolução de 19 microssegundos de arco, o que corresponde à resolução mais elevada alguma vez obtida a partir da superfície da Terra. No entanto, não foram criadas imagens, já que, apesar de terem sido realizadas detecções robustas da radiação emitida por várias galáxias distantes, não foram utilizadas antenas suficientes para se poder reconstruir com precisão uma imagem a partir dos dados coletados.

Este teste técnico abriu uma nova janela para o estudo dos buracos negros. Com o conjunto completo, o EHT poderá observar detalhes tão pequenos como 13 microssegundos de arco, o equivalente a ver uma moeda na Lua a partir da Terra. Isso significa que a 0,87 mm será possível obter imagens com uma resolução de cerca de 50% superior à das imagens de 1,3 mm de M87* e SgrA* anteriormente publicadas. Para além disso, será provavelmente possível observar buracos negros mais distantes, menores e mais tênues do que os dois que já foram observados até agora. “Observar através de diferentes comprimentos de onda as alterações no gás que circunda os buracos negros ajudará a compreender melhor como é que estes objetos atraem e acumulam matéria e como é que lançam jatos poderosos que se propagam a distâncias galácticas”, afirma o astrofísico Sheperd “Shep” Doeleman, diretor fundador do EHT e um dos autores do artigo.

“Esta é a primeira vez que a técnica VLBI foi utilizada com sucesso em um comprimento de onda de 0,87 mm”, afirma o professor Ciriaco Goddi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, que integra o grupo de cientistas que participou do estudo e assina o artigo. “Embora a capacidade de observar o céu noturno a 0,87 mm existisse antes das novas detecções, o uso da técnica VLBI nesse comprimento de onda sempre apresentou desafios que levaram tempo e avanços tecnológicos para serem superados.” Por exemplo, o vapor de água na atmosfera absorve muito mais as ondas eletromagnéticas a 0,87 mm do que a 1,3 mm, dificultando a tarefa dos radiotelescópios de coletar sinais de buracos negros no comprimento de onda mais curto. Combinando este fato com a turbulência atmosférica cada vez mais pronunciada e a acumulação de ruído em comprimentos de onda mais curtos, assim como a incapacidade de controlar as condições meteorológicas globais durante observações atmosféricas sensíveis, o progresso do VLBI para os comprimentos de onda mais curtos tem sido lento, especialmente aqueles que passam para o submilimétrico. Com estas novas detecções, tudo mudou.

“As detecções VLBI a 0,87 mm são inovadoras, uma vez que abrem uma nova janela de observação no estudo de buracos negros supermassivos”, conclui Thomas Krichbaum, do Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha, instituição que opera o telescópio Apex em conjunto com o ESO, um dos co-autores do trabalho. “No futuro, a combinação dos telescópios Iram na Espanha (Iram-30m) e Noema na França com o Alma e o Apex permitirá obter simultaneamente imagens de emissões ainda mais tênues e mais pequenas do que o que tem sido possível até agora nestes dois comprimentos de onda, 1,3 e 0,87 mm”, acrescenta. A colaboração EHT, que envolve mais de 400 investigadores da África, Ásia, Europa e América, dos quais cerca de 270 participaram neste estudo, tem como objetivo obter as imagens de buracos negros mais detalhadas já obtidas, através da criação de um telescópio virtual do tamanho da Terra. O EHT liga telescópios existentes utilizando técnicas inovadoras e criando um instrumento fundamentalmente novo com o mais elevado poder de resolução angular alguma vez conseguido.

Mais informações: e-mail cgoddi@usp.br, com o professor Ciríaco Goddi.

*Texto: Assessoria de Imprensa do Observatório Europeu do Sul (ESO), adaptado por Júlio Bernardes
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

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