CzechConnect: A comunicação quântica é possível como em “O Astronauta”?

No filme “O Astronauta”, o personagem de Adam Sandler demonstra fenômeno da física quântica que permitiria comunicação mais rápida do que a luz.

Cena do filme "O Astronauta", da Netflix, com o astronauta Jakub usando um sistema de comunicação quântica. Imagem: Divulgação
Cena do filme “O Astronauta”, da Netflix, com o astronauta Jakub usando um sistema de comunicação quântica. Imagem: Divulgação

No último dia 1º de março, a Netflix lançou o filme original “O Astronauta” (“Spaceman”), estrelado por Adam Sandler. O ator interpreta o astronauta tcheco Jakub Procházka, que viaja até os arredores de Júpiter e se comunica com a Terra com a ajuda de um sistema de comunicação quântica batizado de “CzechConnect Quantum”.

Na trama, baseada no livro “Spaceman of Bohemia”, de Jaroslav Kalfar, uma gigantesca nebulosa lilás — chamada Chopra — invade o Sistema Solar. Isso faz com que a Terra envie missões para investigar o fenômeno. Jakub viaja sozinho a bordo da nave Jan Hus 1, distante cerca de 500 milhões de km da Terra.

Nessa distância, usando a tecnologia de comunicação atual, uma mensagem enviada na velocidade da luz demoraria em torno de 28 minutos para percorrer a distância entre a Terra e a nave Jan Hus 1. A resposta de Jakub levaria outros 28 minutos para retornar ao planeta.

Entretanto, apesar dessa longa distância, o astronauta consegue realizar uma videochamada em tempo real com o controle da missão em terra, sem qualquer delay. Inclusive, Jakub explica que a comunicação ocorre mais rápida do que a luz.

Aliás, a tecnologia do filme funciona, até mesmo, através de um simples telefone celular. Tudo isso, graças aos caprichos fascinantes da física quântica.

Comunicação quântica

Apesar de o filme não explicar exatamente como funciona o CzechConnect Quantum, provavelmente, ele é inspirado no entrelaçamento quântico — também chamado de “emaranhamento quântico”. Este é um fenômeno da mecânica quântica onde partículas – geralmente os fótons, as partículas de luz – podem se manter fortemente conectadas quando muito distantes e sem estarem fisicamente ligadas entre si.

Este fenômeno chegou a ser descrito por Albert Einstein como uma “ação fantasmagórica à distância”, evidenciando sua perplexidade com essa natureza não intuitiva. E, nos últimos anos, físicos já demonstraram o fenômeno através de um experimento que foi apelidado de “teletransporte quântico” – uma alusão à tecnologia de “Star Trek”.

Apesar de o teletransporte de objetos grandes e seres humanos ainda estar no reino da ficção científica, os cientistas já conseguiram “teletransportar a informação” entre salas ou até mesmo cidades, graças ao emaranhamento quântico. 

A nave Jan Hus 1, distante 500 milhões de km da Terra. Imagem: YouTube/Reprodução

Para simplificar, se duas partículas estiverem entrelaçadas (“interconectadas”), uma mudança de uma partícula afetará o estado da outra. Esse entrelaçamento ocorre de tal maneira que o estado de uma (não importa quão distante esteja) influencia o estado da outra instantaneamente, independente da distância que as separe. 

Essa mudança nas partículas emaranhadas sugere uma possibilidade tentadora de transmitir informações através de vastas distâncias.

O mais curioso é que isto não envolve uma “viagem” de informação. Por isso, o entrelaçamento quântico tem implicações significativas para o desenvolvimento de novas tecnologias, incluindo computação quântica, criptografia quântica ou mesmo a telecomunicação quântica.

Tanto é que, em 2022, o Prêmio Nobel de Física foi entregue ao francês Alain Aspect, o norte-americano John Clauser e o austríaco Anton Zeilinger, pelo trabalho dos três nessa área, abrindo caminho para uma nova geração de computadores e sistemas de comunicação.

Atualmente, todas as comunicações espaciais estão limitadas pela velocidade da luz. Na verdade, nada no espaço consegue viajar no espaço mais rápido do que a luz, segundo Einstein. É por este motivo que muitas sondas e rovers da NASA funcionam no espaço profundo com sistemas autônomos, uma vez que elas não podem ser controladas em tempo real por engenheiros da agência. Isto também será um desafio técnico e psicológico para astronautas viajando pelo espaço profundo.

Por isso, o entrelaçamento quântico abriria um possibilidade para a comunicação espacial, não importa o quão distante esteja a espaçonave. Inclusive, isso seria possível não apenas através do Sistema Solar, mas também em toda a galáxia.

Videochamada através do CzechConnect Quantum, visto no filme “O Astronauta”. Imagem: YouTube/Reprodução

Em 2022, uma equipe de físicos da Universidade de Edimburgo, na Escócia, publicou um estudo com cálculos matemáticos que demonstram a possibilidade de comunicações quânticas através do espaço interestelar. O estudo destaca que tal tecnologia permitiria, por exemplo, ser usada para se comunicar com extraterrestres distantes a vários anos-luz. Inclusive, eles ressaltam que os aliens já poderiam estar tentando se comunicar conosco usando essa tecnologia.

No entanto, as comunicações quânticas são projetadas para serem ouvidas apenas pela pessoa certa. Portanto, a ausência de sinais de civilizações extraterrestres também pode significar que elas simplesmente não querem que saibamos sobre elas.

Então, o CzechConnect Quantum pode ser real?

Embora a tecnologia do teletransporte da informação seja promissora, ainda não é possível dizer que ela funciona de forma instantânea, como aparece no filme. De acordo com Ethan Siegel, um astrofísico teórico e escritor de ciência dos EUA, a comunicação mais rápida do que a luz não é possível, independentemente de qual seja a configuração da mecânica quântica. Ele afirma que isso só seria possível se “existisse algo muito exótico”.

“Embora seja uma tentativa admirável de contornar as regras do nosso Universo, cada esquema [de emaranhamento quântico] não só falhou, mas está provado que todos esses esquemas estão fadados ao fracasso. Mesmo com o emaranhado quântico, a comunicação mais rápida que a luz ainda é uma impossibilidade em nosso Universo”, disse Siegel.

Além disso, existem outros desafios técnicos para a comunicação quântica. Entre eles, está a de que os estados quânticos são bastante delicados e facilmente perturbados. Pode ocorrer de as partículas quânticas perderem algumas ou todas as suas características únicas à medida que interagem com obstruções no seu caminho – um fenômeno chamado “decoerência”.

Além disso, criar uma rede de comunicação quântica para operar no ambiente hostil do espaço é uma tarefa ainda mais complicada. Porém, isso não significa que a comunicação quântica ainda esteja no campo teórico ou mesmo muito longe da realidade.

Em 2016, por exemplo, a China lançou em órbita o satélite quântico Micius. Os chineses dizem que realizaram com sucesso a distribuição de emaranhamento quântico entre o satélite e as estações terrestres, além do teletransporte quântico de informações da Terra para o satélite. Além disso, no ano passado, os chineses anunciaram que pretendem ampliar esses experimentos e lançar em breve ao espaço satélites quânticos de nova geração.

Por isso, se formos capazes de desenvolver uma forma confiável de controlar e medir partículas quânticas emaranhadas, poderiamos “teletransportar” informações de um lugar para outro – inclusive, podendo criar uma espécie de “internet espacial quântica”.

O Astronauta

Hanus, a aranha alienígena em “O Astronauta”. Imagem: Netflix/Reprodução

O novo filme da Netflix tem roteiro de Colby Day e direção do sueco Johan Renck – conhecido por dirigir a minissérie “Chernobyl”, da HBO.

Segundo a sinopse divulgada pelo streaming, “o astronauta Jakub Procházka aceita embarcar em uma missão solitária nos confins do Sistema Solar. E sob o solo de Júpiter, ele sente falta de sua esposa grávida, Lenka (interpretado por Carey Mulligan), que está na Terra, a milhões de quilômetros de distância. No entanto, desiludida com a distância do marido, e frustrada por ele sempre escolher missões longas, em vez da vida ao lado da família, Lenka decide se separar.”

“Enquanto isso, Jakub é visitado por Hanus, um alienígena parecido com uma aranha (dublado por Paul Dano), que invade a espaçonave, e, mesmo inicialmente assustado, o astronauta e o alienígena começam a se comunicar e desenvolver uma amizade improvável. Após Jakub perceber que seu casamento com Lenka pode não estar intacto quando retornar à Terra, é este novo amigo alienígena quem ajudará o solitário Jakub a entender o que há de errado em sua vida, antes que seja tarde demais.”

No elenco tem ainda Kunal Nayyar (o Rajesh Koothrappali da série “The Big Bang Theory”), Isabella Rossellini (do filme “Planeta dos Macacos: O Reinado”) e Jackie Sandler (esposa do ator Adam Sandler).

Uma curiosidade: a garota que pergunta ao astronauta tcheco se ele fica triste por estar tão longe de casa é interpretada por Sunny, a filha de Sandler na vida real.

Outra curiosidade é que existe uma pequena empresa tcheca de consultoria chamada de “CzechConnect“. O país também já teve a empresa aérea “Czech Connect Airlines”, que fazia voos entre a Rússia e os 11 ex-territórios que formaram a antiga União Soviética. Porém, ela decretou falência e encerrou suas operações em 2012.

No momento do fechamento desta matéria, o filme “O Astronauta” tem avaliação de 5,8 de 10 estrelas no IMDb, baseado na opinião de mais de 19 mil pessoas. No RottenTomatoes, ele tem índice Tomatometer de 52% e score de 65% (baseado em mais de 1.000 avaliações públicas).

O filme está disponível no catálogo da Netflix. Confira o trailer:

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Sobre o Autor

Hemerson Brandão

Hemerson é jornalista, escreve sobre espaço, tecnologia e, às vezes, sobre outros temas da cultura nerd. Ele também é grande entusiasta de astronomia, interessado em exploração espacial e fã de Star Trek.