A saga para desvendar o mistério por trás do surgimento do Universo
Nossas teorias nos permitem retroceder no tempo até frações de segundo após o início do Universo, mas talvez nunca saibamos a história completa.
Konstantinos Dimopoulos
Professor em Cosmologia de Partículas, Lancaster University
THE CONVERSATION BRASIL — Como tudo começou? Essa é uma pergunta sobre a qual os seres humanos têm se debruçado há milhares de anos. No último século, a ciência encontrou uma resposta: o Big Bang.
O Big Bang descreve como o Universo surgiu em uma “explosão” cataclísmica há quase 14 bilhões de anos. Em uma minúscula fração de segundo, o Universo observável cresceu o equivalente à expansão do tamanho de uma bactéria até o tamanho da Via Láctea. O Universo primitivo era extraordinariamente quente e extremamente denso. Mas como sabemos que isso aconteceu?
Vamos dar uma olhada primeiro nas evidências. Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu que galáxias distantes estão se afastando umas das outras, o que levou à constatação de que o Universo está se expandindo. Se voltássemos o relógio para o nascimento do Cosmos, a expansão se inverteria e as galáxias cairiam umas sobre as outras há 14 bilhões de anos. Essa idade está de acordo com as idades dos objetos astronômicos mais antigos que observamos.
A ideia foi inicialmente recebida com ceticismo e, na verdade, foi um cético, o astrônomo inglês Fred Hoyle, que cunhou o nome. Hoyle sarcasticamente descartou a hipótese como um “Big Bang” durante uma entrevista à rádio BBC em 28 de março de 1949.
Então, em 1964, Arno Penzias e Robert Wilson detectaram um tipo específico de radiação que preenche todo o espaço. Esse fenômeno ficou conhecido como radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB). Ela é uma espécie de “eco” da explosão do Big Bang, liberada quando o Cosmos tinha apenas cerca de 380 mil anos de idade.
A CMB fornece uma janela para as condições quentes e densas do início do Universo. Penzias e Wilson receberam o Prêmio Nobel de Física de 1978 por sua descoberta.
Mais recentemente, experimentos em aceleradores de partículas como o Grande Colisor de Hádrons (LHC) lançaram luz sobre condições ainda mais próximas da época do Big Bang. Nosso entendimento da física nessas altas energias sugere que, nos primeiros momentos após o Big Bang, as quatro forças fundamentais da física que existem hoje estavam inicialmente combinadas em uma única força.
As quatro forças atuais são a gravidade, o eletromagnetismo, a força nuclear forte e a força nuclear fraca. À medida que o Universo se expandiu e esfriou, uma série de mudanças drásticas, chamadas de transições de fase (como a fervura ou o congelamento da água), separou essas forças.
Experimentos em aceleradores de partículas sugerem que, alguns bilionésimos de segundo após o Big Bang, ocorreu a última dessas transições de fase. Essa foi a quebra da unificação eletrofraca, quando o eletromagnetismo e a força nuclear fraca deixaram de ser combinados. Foi quando toda a matéria do Universo assumiu sua massa.
Avançando mais no tempo, o Universo está repleto de uma estranha substância chamada plasma de quarks e glúons. Como o nome sugere, essa “sopa primordial” era composta de quarks e glúons. Essas são partículas subatômicas responsáveis pela força nuclear forte. O plasma de quarks e glúons foi gerado artificialmente em 2010 no Laboratório Nacional de Brookhaven e em 2015 no LHC.
Quarks e glúons exercem forte atração uns pelos outros e hoje estão unidos como prótons e nêutrons, que, por sua vez, são os blocos de construção dos átomos. Entretanto, nas condições quentes e densas do Universo primitivo, eles existiam de forma independente.
O plasma de quark-glúons não durou muito tempo. Apenas alguns milionésimos de segundo após o Big Bang, à medida que o Universo se expandia e esfriava, os quarks e glúons se aglomeravam como prótons e nêutrons, situação que persiste até hoje. Esse evento é chamado de “confinamento de quarks”.
À medida que o Universo se expandia e esfriava ainda mais, havia menos fótons de alta energia (partículas de luz) no Universo do que anteriormente. Esse é um gatilho para o processo chamado nucleossíntese do Big Bang (BBN). Foi quando os primeiros núcleos atômicos – as densas massas de matéria feitas de prótons e nêutrons e encontradas no centro dos átomos – se formaram por meio de reações de fusão nuclear, como as que alimentam o Sol.
Na época em que havia mais fótons de alta energia no Universo, qualquer núcleo atômico que se formasse teria sido rapidamente destruído por eles (um processo chamado de fotodesintegração). O BBN cessou apenas alguns minutos após o Big Bang, mas suas consequências são observáveis até hoje.
As observações dos astrônomos nos forneceram evidências das abundâncias primordiais dos elementos produzidos nessas reações de fusão. Os resultados estão de acordo com a teoria do BBN. Se continuássemos, ao longo de quase 14 bilhões de anos, chegaríamos à situação que existe hoje. Mas até que ponto podemos chegar para entender o que estava acontecendo próximo ao momento do Big Bang?
Os cientistas não têm evidências diretas do que ocorreu antes do colapso da unificação eletrofraca (quando o eletromagnetismo e a força nuclear fraca deixaram de ser combinados). Com energias tão altas e tempos tão remotos, só podemos ficar olhando para o mistério do Big Bang. Então, o que a teoria sugere?
Quando retrocedemos no tempo ao longo da história do Cosmos, as distâncias e os volumes diminuem, enquanto a densidade média de energia aumenta. No Big Bang, as distâncias e os volumes caem a zero, todas as partes do Universo caem umas sobre as outras e a densidade de energia do Universo se torna infinita. Nossas equações matemáticas, que descrevem a evolução do espaço e a expansão do Cosmos, ficam infestadas de zeros e infinitos e deixam de fazer sentido.
Chamamos isso de uma singularidade. A Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein descreve como o espaço-tempo é moldado. O espaço-tempo é uma forma de descrever a geometria tridimensional do Universo, combinada com o tempo. Uma curvatura no espaço-tempo dá origem à gravidade.
Mas a matemática sugere que há lugares no Universo onde a curvatura do espaço-tempo se torna ilimitada. Esses locais são conhecidos como singularidades. Um exemplo disso pode ser encontrado no centro de um buraco negro. Nesses locais, a Teoria da Relatividade Geral não funciona.
De 1965 a 1966, os físicos teóricos britânicos Stephen Hawking e Roger Penrose apresentaram vários teoremas matemáticos demonstrando que o espaço-tempo de um Universo em expansão deve terminar em uma singularidade no passado: a singularidade do Big Bang.
Penrose recebeu o Prêmio Nobel em 2020. Hawking faleceu em 2018 e os prêmios Nobel não são concedidos postumamente. O espaço e o tempo aparecem na singularidade do Big Bang, portanto, as questões sobre o que acontece “antes” do Big Bang não estão bem definidas. Até onde a ciência pode dizer, não existe um antes; o Big Bang é o início do tempo.
No entanto, a natureza não é descrita com precisão apenas pela Relatividade Geral, embora essa última exista há mais de 100 anos e não tenha sido refutada. A Relatividade Geral não consegue descrever os átomos, a fusão nuclear ou a radioatividade. Em vez disso, esses fenômenos são abordados pela Teoria Quântica.
As teorias da física “clássica”, como a Relatividade, são determinísticas. Isso significa que determinadas condições iniciais têm um resultado definido e, portanto, são absolutamente preditivas. A Teoria Quântica, por outro lado, é probabilística. Isso significa que determinadas condições iniciais no Universo podem ter vários resultados.
A Teoria Quântica é um tanto preditiva, mas de forma probabilística. Os resultados são atribuídos a uma probabilidade de existência. Se a distribuição matemática de probabilidades tiver um pico acentuado em um determinado resultado, então a situação é bem descrita por uma teoria “clássica”, como a Relatividade Geral. Mas nem todos os sistemas são assim. Em alguns sistemas, como, por exemplo, os átomos, a distribuição de probabilidade é espalhada e uma descrição clássica não se aplica.
E quanto à gravidade? Na grande maioria dos casos, a gravidade é bem descrita pela física clássica. O espaço-tempo clássico é suave. Entretanto, quando a curvatura se torna extrema, perto de uma singularidade, a natureza quântica da gravidade não pode ser ignorada. Nesse caso, o espaço-tempo não é mais liso, mas sim irregular, semelhante a um tapete que parece liso de longe, mas de perto é cheio de fibras e fios.
Assim, perto da singularidade do Big Bang, a estrutura do espaço-tempo deixa de ser lisa. Teoremas matemáticos sugerem que o espaço-tempo se torna sobrecarregado por características “nodosas”: ganchos, laços e bolhas. Essa situação de rápida flutuação é chamada de espuma do espaço-tempo.
Na espuma do espaço-tempo, a causalidade não se aplica, pois há loops fechados no espaço-tempo em que o futuro de um evento também é seu passado (portanto, seu resultado também pode ser sua causa). A natureza probabilística da Teoria Quântica sugere que, quando a distribuição de probabilidade é uniforme, todos os resultados são igualmente possíveis, e a noção confortável de causalidade que associamos a uma compreensão clássica da física é perdida.
Portanto, se voltarmos no tempo, pouco antes de encontrarmos a singularidade do Big Bang, entraremos em uma época em que os efeitos quânticos da gravidade são dominantes e a causalidade não se aplica. Essa é a chamada época de Planck.
O tempo deixa de ser linear, indo do passado para o futuro, e passa a ser fragmentado, caótico e aleatório. Isso significa que a pergunta “por que ocorreu o Big Bang?” não tem sentido, porque fora da causalidade, os eventos não precisam de uma causa para ocorrer.
Para entender como a física funciona em uma singularidade como o Big Bang, precisamos de uma teoria sobre como a gravidade se comporta de acordo com a Teoria Quântica. Infelizmente, não temos uma. Há vários esforços nesse sentido, como a loop quantum gravity e Teria das Cordas, com suas várias encarnações.
Entretanto, esses esforços são, na melhor das hipóteses, incompletos, porque o problema é notoriamente difícil. Isso significa que a espuma do espaço-tempo tem uma mística totêmica e poderosa, muito parecida com o antigo Caos de Hesíodo que os gregos acreditavam existir no início.
Então, como nosso Universo em expansão e amplamente clássico conseguiu escapar da espuma do espaço-tempo? Isso nos leva à inflação cósmica. Essa última é definida como um período de expansão acelerada no Universo primitivo. Ela foi apresentada pela primeira vez pelo físico teórico russo Alexei Starobinsky em 1980 e, paralelamente, no mesmo ano, pelo físico americano Alan Guth, que cunhou o nome.
A inflação torna o Universo grande e uniforme, de acordo com as observações. Ela também força o Universo a ser espacialmente plano, o que é uma situação instável, mas que também foi confirmada por observações. Além disso, a inflação fornece um mecanismo natural para gerar as irregularidades primordiais na densidade do Universo que são essenciais para a formação de estruturas como galáxias e aglomerados de galáxias.
Teoria comprovada
Observações de precisão da radiação cósmica de fundo em micro-ondas nas últimas décadas confirmaram de forma espetacular as previsões da inflação. Também sabemos que o Universo pode de fato sofrer expansão acelerada, porque nos últimos bilhões de anos ele começou a fazer isso novamente.
O que isso tem a ver com a espuma do espaço-tempo? Bem, acontece que, se as condições para a inflação surgirem (por acaso) em um pedaço de espaço-tempo flutuante, como pode ocorrer com a espuma do espaço-tempo, essa região infla e começa a se adequar à física clássica.
De acordo com uma ideia proposta pela primeira vez pelo físico russo-americano Andrei Linde, a inflação é uma consequência natural (e talvez inevitável) das condições iniciais caóticas no início do Universo.
A questão é que o nosso Universo clássico poderia ter emergido de condições caóticas, como as da espuma do espaço-tempo, passando por um impulso inicial de inflação. Isso teria dado início à expansão do Universo. Na verdade, as observações da CMB pelos astrônomos sugerem que o impulso inicial é explosivo, já que a expansão é exponencial durante a inflação.
Em 20 de março de 2014, Alan Guth explicou de forma sucinta: “Eu costumo descrever a inflação como uma teoria do ‘bang’ do Big Bang: ela descreve o mecanismo de propulsão que chamamos de Big Bang”.
Então, aí está. A história de 14 bilhões de anos do nosso Universo começa com uma “explosão” cataclísmica em todo o espaço, que chamamos de Big Bang. Isso está além de qualquer dúvida razoável. Essa explosão é, na verdade, um período de expansão explosiva, que chamamos de inflação cósmica. Mas o que acontece antes da inflação? É uma singularidade do espaço-tempo, é uma espuma do espaço-tempo? A resposta a estas perguntas é em grande parte desconhecida.
Na verdade, pode até ser impossível de conhecer, porque há um teorema matemático que nos proíbe de acessar informações sobre o início da inflação, assim como o que nos impede de saber sobre os interiores dos buracos negros. Portanto, do nosso ponto de vista, a inflação cósmica é o Big Bang, a explosão que deu início a tudo.
Este artigo foi originalmente publicado em Inglês
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