A curiosa história do meteorito Bendegó

A curiosa história do meteorito Bendegó
Imagem: JorgeBRAZIL

O Bendegó é o maior e mais pesado meteorito da coleção brasileira de rochas e fragmentos de origem espacial, sendo o 16º maior já encontrado em nosso planeta. Em 1889, por exemplo, o objeto chegou a ser reconhecido como o maior meteorito do mundo exposto em um museu.

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O grande meteorito é composto principalmente de ferro (95,1%), níquel (3,9%) e outros elementos. Ele tem peso de 5,36 toneladas e mede 2,15 metros de comprimento, 1,5 m de largura e 65 cm de altura.

Estima-se que ele tenha caído no Brasil há milhares de anos. Sua descoberta, no final do século 18, ocorreu numa época em que a maioria dos cientistas não acreditava na existência de meteoritos, o que demonstra a importância do achado brasileiro para a história da ciência meteorítica mundial.

Descoberta do Bendegó

Segundo o Museu Nacional, o meteorito foi descoberto no ano de 1784, por um rapaz chamado Domingos da Motta Botelho, enquanto pastoreava o gado em uma fazenda a 35 km da cidade de Monte Santo, localizada no sertão da Bahia. Ao procurar uma vaca desgarrada, ele acabou encontrando o meteorito próximo ao leito do riacho Bendegó – que acabou dando nome ao objeto espacial.

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Na época, ainda não se acreditava na existência de rochas vindas do espaço. Além do tamanho e forma estranha, o meteorito chamava a atenção por não apresentar nenhuma semelhança com as outras rochas do local. Rapidamente a notícia sobre a “pedra” se espalhou e chegou até o governador local.

A descoberta ocorreu durante a Bahia colonial, sob o reinado da rainha Maria I de Portugal. Inicialmente, a massa de metal foi considerada como o indício de uma jazida de ferro na região, levando o governador a ordenar o transporte da peça para Salvador, para que ele fosse remetido posteriormente para Portugal.

De acordo com o pesquisador Wilton Pinto de Carvalho, da Universidade Federal da Bahia, nos anos seguintes à descoberta, foram realizadas pelo menos três tentativas frustradas de transportar o meteorito para a capital da Bahia. Entretanto, o solo e o aclive do local da queda – bem como o tamanho e peso do objeto – dificultaram a remoção.

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Em uma dessas tentativas, tentou-se mover a objeto espacial com a força de 30 homens aplicada a quatro alavancas de madeira. Em outra, uma carreta de madeira puxada por bois conseguiu percorrer apenas 180 metros. Até mesmo um aterro foi improvisado, mas não suportou o peso da carreta e sua carga. Há quem diga que a carreta de madeira que carregava o meteorito chegou a se desgovernar e cair no riacho Bendegó.

Foto do meteorito às marges do rio Bendegó, em 1887.
Foto do meteorito às marges do rio Bendegó, em 1887. Imagem: Domínio Público

Além desses imprevistos, a ideia de enviar o meteorito para Portugal foi descartada nas décadas seguintes, provavelmente por conta da situação política instável em Lisboa, devido à invasão francesa e a posterior vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808.

Diante disso, as tentativas de mover o meteorito foram interrompidas e o Bendegó foi deixado no mesmo local que foi descoberto por cerca de 100 anos.

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Confirmação do meteorito

Em 1811, o achado foi reconhecido como um provável meteorito pela Sociedade Geológica Real de Londres. Na época, um cidadão inglês que trabalhava para o governo da Bahia extraiu amostras do meteorito e enviou as mesmas para análise em Londres.

Foi ele também que confirmou a inexistência de jazidas de ferro na região, reforçando a ideia de um meteorito. O estudo do inglês pode ser consultado aqui!

O Bendegó também recebeu a visita de naturalistas austríacos, em 1819, quando também foram retiradas amostras para estabelecer a natureza, composição e estruturas do meteorito. Para conseguir retirar as amostras, eles precisaram acender uma fogueira em torno do Bendegó durante 24 horas.

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Já em 1883, o diretor da Seção de Mineralogia do Museu Nacional chegou a alertar que o Bendegó poderia ser coberto pela terra, durante a cheia do rio, o que poderia fazer com que a localização do meteorito fosse perdida.

Remoção para o Rio

Somente em 1886, no final do 2º Império do Brasil, quando o Imperador Dom Pedro II tomou conhecimento da existência e importância científica do achado, que o transporte foi finalmente providenciado.

Dom Pedro II foi alertado na França, por membros da Academia de Ciências de Paris, para que o meteorito fosse transferido para um museu. Para isso, o imperador ordenou pessoalmente a realização de uma expedição para transportar o meteorito para a sede da Corte, com o trabalho ficando sob responsabilidade da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

O translado teve início em 7 de setembro de 1887 e terminou em 15 de junho de 1888. O meteorito demorou 126 dias para percorrer os 119 km que separam o leito do riacho até a estação ferroviária do povoado de Jacurici, no município de Itiúba, de onde seguiu viagem de trem até Salvador. A partir daí, ele foi transportado por navio até o Rio de Janeiro.

Foto do embarque do meteorito na estação ferroviária de Jacurici.
Foto do embarque do meteorito na estação ferroviária de Jacurici. Imagem: Domínio Público.

Revolta dos moradores

Ainda em 1887, um marco foi construído no local da descoberta do meteorito. Entretanto, ele foi destruído como um ato de revolta por moradores locais supersticiosos, pouco tempo depois da retirada do meteorito.

Há uma lenda local de que o meteorito era uma “pedra encantada” que não queria deixar o sertão baiano, mas que foi removida à força. A grande seca na região de Monte Santo que ocorreu após a retirada do meteorito foi apontada pelos moradores como uma “maldição da pedra”.

Na literatura de cordel, “A saga da Pedra do Bendegó”, é narrada a história do transporte do meteorito e traduz o descontentamento dos baianos em relação à retirada “forçada” do meteorito, como no trecho abaixo:

“A pedra constituída
De Ferro, Níquel e encanto.
Até o dia de hoje
Provoca tristeza e encanto
Queremos nossa pedra de volta
De volta pro nosso canto.”

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Museu Nacional

Já no Rio de Janeiro, o meteorito foi recebido em um grande evento que contou com a presença da Princesa Isabel, além de cientistas e nobres da época.

Desde então, o meteorito estava exposto no Museu Nacional, inicialmente no primeiro prédio do museu no Campo de Santana, depois movido para o Palácio Imperial de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Uma curiosidade é que o físico Albert Einstein chegou a visitar o museu brasileiro e posar para fotos ao lado do meteorito Bendegó, em maio de 1925.

Além da peça original no Museu Nacional, réplicas do Bendegó foram construídas em madeira, gesso e papel marchê, para exposição em outros museus brasileiros e no exterior.

Um pedaço de 60 kg do meteorito também foi cortado para estudo e dividido a museus pelo mundo.

Foto do meteorito Bendegó exposto no saguão do Museu Nacional, em 2011.
Foto do meteorito Bendegó exposto no saguão do Museu Nacional, em 2011. Imagem: Jorge Andrade/Flickr

Bons Dias!

Em 27 de maio de 1888, o escritor Machado de Assis publicou anonimamente na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, uma crônica sobre a descoberta e transporte do meteorito.

Nela, o autor aborda de forma cômica os entraves burocráticos durante o translado do Bendegó para a sede da Corte, por meio de um diálogo travado com José Carlos Carvalho, membro da Sociedade Geográfica do Rio de Janeiro e chefe da expedição.

Confira abaixo na íntegra:

BONS DIAS!

Cumpre não perder de vista o meteorólito de Bendegó. Enquanto toda a nação bailava e cantava, delirante de prazer pela grande lei da Abolição, o meteorólito de Bendegó vinha andando, vagaroso, silencioso e científico, ao lado do Carvalho.

– Carvalho, dizia ele provavelmente ao companheiro de jornada, que rumores são estes ao longe?

E ouvindo a explicação, não retorquira nada, e pode ser até que sorrisse, pois é natural que nas regiões donde veio, tivesse testemunhado muitos cativeiros e muitas abolições. Quem sabe lá o que vai pelos vastos intermúndios de Epicuro e seus arrabaldes?

Vinha andando, vagaroso, silencioso, científico, ao lado do Carvalho.

— Carvalho, perguntou ainda, falta muito para chegar ao Rio de Janeiro? Estou já aborrecido, não da sua companhia, mas da caminhada. Você sabe que nós, lá em cima, andamos com a velocidade de mil raios; aqui nestas ridículas estradas de ferro, a jornada é de matar. Mas espera, parece que estou vendo uma cidade…

– É a Bahia, a capital da província.

Chegaram à capital, onde um grupo de homens corria para uma casa, com ar espantado, preocupado, ou como melhor nome haja em fisionomia, que não tenho tempo de ir ao dicionário. Esses homens eram os vereadores. Iam reunir-se extraordinariamente, para saber se embargariam ou não a saída do meteorólito

Até então não trataram do negócio, por um princípio de respeito ao governo central. O governo central ordenara o transporte e as despesas; a Câmara Municipal, obediente, ficou esperando. Logo, porém, que o meteorólito chegou à capital, interveio outro princípio — o do direito provincial. Reuniu-se a Câmara e examinou o caso.

Parece que o debate foi longo e caloroso. Uns disseram provavelmente que o meteorólito, tendo caído na Bahia, era da Bahia; outros, que vindo do céu, era de todos os brasileiros. Tal foi a questão controversa. Compreende-se bem que era preciso resolver primeiro esse ponto, para entrar na questão de saber se os meteorólitos entravam na ordem das atribuições reservadas às províncias. O debate foi afinal resumido e o voto da maioria contrário ao embargo; apenas dois vereadores votaram por este, segundo anunciou um telegrama.

E o meteorólito foi chegando, vagaroso, silencioso, cientiífico, ao lado do Carvalho.
– Carvalho, disse ele, os que não quiserem embargar a minha saída são uns homens cruéis. Mas por que é que aqueles dois votaram pelo embargo?

– Questão de federalismo…

E o nosso amigo explicou o sentido desta palavra, e o movimento federalista que se está operando em alguns lugares do império. Mostrou-lhe até alguns projetos discutidos agora, para o fim de adotar a Constituição dos Estados Unidos, sem fazer questão do chefe de Estado, que pode ser presidente ou imperador…

Aqui o meteorólito, sempre vagaroso e científico, piscou o olho ao Carvalho.

– Carvalho, disse ele, eu não sou doutor constitucional nem de outra espécie, mas palavra que não entendo muito essa constituição dos Estados Unidos com um imperador…

Cheio de comiseração, explicou-lhe o nosso amigo que as invenções constitucionais não eram para os beiços de um simples meteorólito; que a suposição de que o sistema dos Estados Unidos não comporta um chefe hereditário resulta de não atender à diferença do clima e outras. Ninguém se admira, por exemplo, de que lá se fale inglês e aqui português. Pois é a mesma coisa.

Entretanto, confessou o nosso amigo que, por algumas cartas recebidas, sabia que o que está na boca de muitas pessoas é um rumor de república ou coisa que o valha, que esta idéia anda no ar…

–Noire? Aussi blanche qu’une autre.

–Tiens ! Vous faites de calembours ?

–Que queria você que eu fizesse, retorquiu o meteorólito, metido naquelas brenhas de onde você me foi arrancar? Mas vamos lá, explique-me isso pelo miúdo.

E o nosso amigo não lhe ocultou nada; confiou-lhe que andam por aí ideias republicanas, e que há certas pessoas para quem o advento da República é certíssimo. Chegou a ler-lhe um artigo da Gazeta Nacional, em que se dizia que, se ela já estivesse estabelecida, acabada estaria há muitos anos a escravidão…

Nisto o meteorólito interrompeu o companheiro, para dizer que as duas coisas não eram incompatíveis: porque ele antes de ser meteorólito fora general nos Estados Unidos — e general do Sul, por ocasião da Guerra de Secessão, e lembra-se bem que os Estados Confederados, quando redigiram a sua constituição, declararam no preâmbulo: “A escravidão é a base da Constituição dos Estados Confederados”. Lembra-se também que o próprio Lincoln, quando subiu ao poder, declarou logo que não vinha abolir a escravidão…

–Mas é porque lá falam inglês, retorquiu o nosso amigo Carvalho; a questão é essa.

O meteorólito ficou pensativo; daí a um instante:

–Carvalho, que barulho é este?

–É a visita do Portela, presidente da província.

–Vamos recebê-lo, acudiu o meteorólito, cada vez mais vagaroso e científico.

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Incêndio no Museu Nacional

Em 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional foi atingido por um incêndio de grandes proporções que consumiu a maior parte dos 20 milhões de itens que o local abrigava, o que representa 90% do acervo.

O incêndio não foi criminoso, com as chamas sendo iniciadas a partir de um curto-circuito causado pelo superaquecimento em um aparelho de ar-condicionado. A falta de investimentos na manutenção e segurança do museu foi apontada como a causa da tragédia.

No caso do meteorito Bendegó, por ser de metal e não conter materiais combustíveis, acabou sobrevivendo às altas temperaturas do incêndio.

Após mais de três anos do incêndio, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ainda trabalha na restauração do local. A universidade planeja abrir espaços externos do museu em 2022.

 Imagem do meteorito Bendegó após o incêndio no Museu Nacional.
 Imagem do meteorito Bendegó após o incêndio no Museu Nacional. Imagem: Raphael Pizzino/UFRJ

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Sobre o Autor

Hemerson Brandão
Hemerson Brandão

Hemerson é jornalista, escreve sobre espaço, tecnologia e, às vezes, sobre outros temas da cultura nerd. Ele também é grande entusiasta de astronomia, interessado em exploração espacial e fã de Star Trek.